O casamento da pessoa com deficiência
O casamento é um instituto jurídico, mas também é uma realidade social e cultural. As normas jurídicas sobre o casamento interferem nessa realidade, mas também são produto dela, numa relação dinâmica e imprevisível, como é a vida. A mais recente novidade nascida dessa interação é a possibilidade de pessoas com deficiência mental contrair casamento, em igualdade de oportunidades com todas as pessoas.
A lei brasileira trazia expressa vedação ao casamento de pessoas portadoras de enfermidade mental, o que encontrava seu fundamento na necessidade de pleno discernimento para praticar um ato tão relevante, repleto de consequências no plano pessoal e patrimonial. Com a vedação, buscava-se proteger a pessoa.
Ocorre que a sociedade, em constante transformação, está abandonando o paradigma da exclusão e buscando a inclusão da pessoa com deficiência. No paradigma da exclusão, por exemplo, os pais ficam envergonhados por seu filho nascer com alguma deficiência, ao ponto de privar a família do convívio social, buscando internações clínicas ou até mesmo se consideram amaldiçoadas.
Atualmente, vigora a busca da plena e efetiva inclusão da pessoa com deficiência no convívio social. Essa nova postura tem revelado que o potencial dessas pessoas é incalculável. São múltiplas as capacidades e as possibilidades de inserção na sociedade da pessoa com deficiência, exercendo trabalhos, frequentando escolas, constituindo laços afetivos e familiares, expressando-se artisticamente e, assim, conquistando autonomia e independência pessoais.
É nesse sentido que a proibição do casamento aos então denominados enfermos mentais foi revogada, juntamente com muitas outras medidas concretas e abstratas trazidas com a aprovação do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei Federal 13.146/2015). Esse novo instrumento jurídico, em harmonia com a convenção internacional das Nações Unidas, contribuirá para eliminar as barreiras que impedem a plena e efetiva participação da pessoa com deficiência na sociedade.
A nova lei abandona as expressões “enfermo” ou “deficiente” e difunde a expressão mais adequada “pessoa com deficiência”, afinal, é preciso priorizar a pessoa humana e não a sua deficiência e jamais estigmatizar, lembrando-nos de que a pessoa não é deficiente, apenas tem uma ou mais deficiências, como pode vir a acontecer com qualquer pessoa.
É certo que muitos acertos e desacertos acontecerão até que todas as dúvidas sejam dirimidas, notadamente nos casos em que a pessoa não consiga exprimir sua vontade, seja em razão da deficiência ou não. No entanto, também é certo que a partir de 04 de janeiro de 2016 as pessoas com deficiência poderão buscar o cartório de Registro Civil da Pessoas Naturais mais próximo, apresentando os mesmos documentos exigidos das demais pessoas, para contrair casamento.
As transformações profundas e extensas que este Estatuto traz merecem uma análise cuidadosa, que exige de todos não apenas conhecer os preceitos legais, mas também conhecer a realidade da pessoa com deficiência. A tarefa não é fácil, pois essa própria realidade é diversificada. Por isso, é preciso humildade científica e humana ao se debruçar sobre cada caso individualmente, conhecendo suas peculiaridades, pois a formulação de juízos genéricos certamente redundará em preconceito e exclusão. Enquanto esse caminho é percorrido, espera-se que mais e mais pessoas possam desfrutar de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos.
Por: Marcelo Salaroli de Oliveira, Oficial de Registro Civil de Jacareí (SP).